Zen - The Privilege of Making The Wrong Choice
Uma secção rítmica possante. Uma guitarra serpenteante. Um vocalista carismático com desejo de excesso e provocação. Que melhor caldo entornado para uma banda rock?
A história da vida curta mas intensa dos Zen tem em The Privilege of Making The Wrong Choice a pedra de toque. O único álbum de estúdio da banda com a formação “clássica” formada por Rui “Gon” Silva (voz), Jorge Coelho (guitarra), Miguel Barros (baixo) e André Hollanda (bateria). A mesma que gravara o explosivo EP de 1997 do qual seriam repescadas e retocadas três cançōes: a intrigante 11:00 am, a serena Cold As Water e a inflamável U.N.L.O. (The Urgency Of The Need Lingers On). 11:00 am e U.N.L.O. (The Urgency Of The Need Lingers On) seriam mesmo os dois vídeos extraídos do longa-duração do ano seguinte - o segundo do realizador Tiago Guedes, com Soraia Chaves como pugilista e Rui Silva a arbitrar.
Como todas as histórias, a dos Zen tem precedentes. Os Zen nasceram no Porto em 1996. Rui Silva e Miguel Barros vinham dos finados No Creative Solution, enquanto Jorge Coelho fizera parte dos Cosmic City Blues, banda com expressão no circuito underground do Grande Porto na alvorada da década de 90, e que chegou a gravar os álbuns Light e Sugar Mountain, a par de outras como Melancholic Youth of Jesus, Basement ou os mais conhecidos Turbo Junkie, dos irmãos Praça. A este trio, juntava-se André Hollanda.
Com pouco tempo de vida, saltam para o palco de Paredes de Coura na mesma noite de Mão Morta e Rollins Band. O EP serve de cartão de visita para imprensa e rádios especializadas, e público melómano, mas a recepção entusiasta catapulta os Zen para a frente de ataque da selecção de esperanças, juntamente com os Blasted Mechanism.
Do EP, 11:00 am e Here são gravadas em estúdio. Cold As Water e U.N.L.O. (The Urgency Of The Need Lingers On) no Comix Bar, na Cedofeita (Porto), um dos muitos clubes de música ao vivo da época. É em palco que os Zen passam das marcas. Afirmam-se coesos e sólidos, e têm em Rui Silva uma figura endiabrada - o homem certo para o lugar certo de banda rock dos anos 90, quando os ícones eram reconhecidos por pisar o risco e provar o veneno.
Rui Silva era provocatório como Perry Farrell. Os Zen tinham algum do psicadelismo dos Jane’s Addiction, da perversidade dos Red Hot Chili Peppers de One Hot Minute e do tumulto dos Rage Against The Machine mas eram mais do que uma peça traduzida de época.
O revivalismo ainda não era assunto porque o rock parecia ter um futuro ilimitado, mas quase todas as bandas dos anos 90 - americanas, inglesas ou portuguesas - já tinham fontes dos anos 60 e sobretudo 70. No caso dos Zen, a leitura electrificada de Trouble Man, de Marvin Gaye, trazia uma outra corrente a um rio fulgurante sem afluentes de grande caudal no mapa. Não era bem assim e o disco sound viscoso de Not Gonna Give Up confirmava a existência de outras facetas na alma dos Zen.
Que não deixava de ser profana, endiabrada e saudavelmente descontrolada, como no tiro à queima-roupa da introdutória Red Dog ou nos blues demoníacos de Step On. Entre as tempestades, chegava a bonança muito Jeff Buckley de Cold As Water e, a fechar o disco, a hipnotizante Time Cross Flow, um passeio pelas florestas encantadas da folk psicadélica. O funk extrarrestre de Mutant e Golden Fools detonavam de vez a bomba.
The Privilege of Making The Wrong Choice foi um petardo em 1998. Hoje, seria um estilhaço. Sempre se fez música estimulante, como esta a lei já não permite.
O álbum completo pode ser ouvido aqui. Ed. Revolver (reedição Rastilho)
Esta formação dos Zen ainda gravaria o ao vivo Hard Club, 7 De Dezembro De 1999, editado dois anos depois pela El Tatu, quando o futuro da banda já parecia incerto. Já com João Fino na voz e Jorge Loura na guitarra, editaram Rules, Jewels, Fools em 2004. Em 2011, regressaram com Marco Nunes em vez de Jorge Coelho. Rui Silva esteve ligado ao Hard Club, enquanto a secção rítmica formada por Miguel Barros e André Hollanda têm estado ligados a Jorge Palma e Pedro Abrunhosa. Jorge Coelho trabalhou na FNAC, fez parte dos Maduros com, entre outros Zé Pedro, e compôs para bandas sonoras.