Blasted Mechanism - Balayhashi
Barreiro, 1994
Como tantos outros, os Blasted podiam nunca ter chegado a ser um Mechanism. Era mais provável que tudo não tivesse passado da tentativa e desistência. Tudo batia certo para correr mal. Uma bebedeira de caixão à cova a testar a sobrevivência. Um primeiro concerto apagado da memória enquanto saltavam rolhas. Mudanças na formação. Um guitarrista com demasiadas cordas (de guitarra e baixo) para apenas dois braços e muita ambição para a precariedade instrumental. A tempestade perfeita para um OVNI aterrar em terra de ninguém.
Vamos por partes. Pouca gente sabe mas antes dos Blasted Mechanism havia uma banda de versōes chamada Colourblind. A história imita tantas outras e começa na garagem. “Tinha montado uma pequena sala de ensaios em casa dos meus pais e andava com dificuldades em encontrar músicos que tivessem interesses parecidos e disponibilidade”, começa a contar o Pedro Valdoleiros que só depois seria Valdjiu. “Fui à praia de Carcavelos passear o cão e estava a tocar uma banda de covers ou originais, não me lembro bem, que tinha o Karkov como vocalista. Fiquei mesmo a bater mal por haver alguém a cantar assim da mesma zona que eu. Não o abordei mas fiquei mesmo obcecado”. De acaso em improbabilidade, “peguei na mota e fui todos os dias a Cascais com uma lista de nomes que eu curtia escritos num papel, para caso o encontrasse, lhe passar essa lista e ver se tínhamos os mesmos gostos. Fui todos os dias durante um mês. Já estive a quase a desistir, nunca mais o encontrava, e há um dia que o vejo a descer a rua. Nem queria acreditar. Páro, vou ter com ele e saco do papel”.
Nesse manuscrito, estavam escritas as “influências” que numa década pós-tribal como a de 90, não serviam apenas para forrar o quarto. Definiam a personalidade. “Eia, man, curto isto tudo”, reagiu Rui Carvalho, longe de saber que seria Karkov. “Tinha Sepultura, Pantera…ele ainda tem esse papel. Decidimos marcar um ensaio uns dias depois”, recorda. Tocaram “uma canção dos Alice In Chains, uma dos Rage Against The Machine e o This Love dos Pantera”. Valdoleiros convidou para o ensaio “um baterista que era amigo da minha namorada, o Bruno, um baixista que mais tarde me levou ao [Miguel] Cardona, e o Luís Arantes, um guitarrista que toca com montes de gente e me dava aulas. Devo ter sido o pior aluno dele”, brinca.
“Chegou um dia em que nos juntámos em casa dos meus pais e partimos tudo. Tocámos assustadoramente bem cada um dos temas umas quatro vezes. O grande destaque era o Karkov e a facilidade que ele tinha de interpretar. O ensaio acabou, fomos beber uns copos para umas tascas em Carcavelos e apanhámos uma bebedeira absurdaaaaa. A bebedeira foi tão traumatizante que alguns músicos nunca mais apareceram. Só sobrevivi eu e o Karkov”. Estava cumprida a primeira etapa da recruta. Como Colourblind, surge a hipótese de um primeiro concerto “no Barroco, um clubezinho em Cascais”. Já com o futuro baterista dos Blasted Mechanism, Capitão Migas (Miguel Costa), ensaiam, esmeram-se, preparam-se para o primeiro embate, mas eis que chegada a hora, o éter dilui o compromisso.
Barreiro, 1994
“Nessa mesma noite, jantámos em minha casa. Começou a festa e à 1 da manhã, o Ali que é o nosso tour manager e o membro mais antigo, pergunta: “O CONCERTO?!” Tínhamo-nos esquecido!!! Fomos a correr para o bar, disseram-nos que já tinha estado cheio e as pessoas estavam à espera. Acabámos por tocar. Às tantas, a bateria desmanchou-se, o Karkov atirou-se para cima da bateria, a tarola entrou pelo público dentro, o Karkov no chão aos gritos”. Um desatino. “Foram tempos de maluqueira que duraram pouco porque eu e o Karkov começámos a fazer originais. As versōes tinham servido para nos conhecermos”, descreve. Entre copos e pratos de choque, nasciam os Blasted Mechanism, filhos da geração de 90, facção primeira metade.
“Foram tempos de maluqueira que duraram pouco porque eu e o Karkov começámos a fazer originais. As versōes tinham servido para nos conhecermos”, Valdjiu
Uma banda muito diferente da que viria a descolar desta galáxia anos depois. Mais terrestre, pesada e distorcida. “Tínhamos um espectro um bocadinho mais vasto com influências de outras áreas mas definitivamente era música pesada. Gostávamos de power metal. Eu e o Karkov tínhamos uma grande admiração pelos Pantera, como também pelo Mike Patton e os Faith No More. Mais tarde, isso levou-nos aos Mr. Bungle e o Disco Volante acabou por ter muito a dizer na viragem dos Blasted”, viaja Valdoleiros.
“Os primeiros anos foram um tributo aos Nirvana e ao movimento grunge. O Karkov era muito influenciado por essa maneira de cantar. Éramos meio indefinidos entre a maluqueira dos Faith No More, o powercore dos Pantera e aquelas linhas melódicas de voz do grunge”. É essa banda que grava uma primeira maqueta simplesmente intitulada Blasted. Uma mão cheia de cançōes, ainda sem capa, mas, à boa maneira da época, com solos. “Tinha bons temas”, defende. “Não lhe chamaria metal mas era bastante pesada”. Uma raridade. “A segunda, o Purpose of Life, já tinha uma capa”, evica. Em 1995, o nome dos Blasted Mechanism é pela primeira vez impresso em CD na colectânea Rock Gar Vol. 1 do Estúdio Gare. Straight To The Brain é a escolha. “Era muito experimental, levávamos as coisas ao extremo”, recorda Valdjiu. “Essa música tem força. Está boa”. Ainda com o pedal de distorção ligado, chegam a fazer uma primeira parte dos Ratos de Porão.
Com Karkov, Valdjiu, João André (Cão Miséria) e Capitão Migas, dividem-se entre Carcavelos, Cascais e a borga semanal no Bairro Alto onde são “assaltados duas vezes por semana”, ri-se. “Era o dinheiro do bilhete de comboio. Conseguíamos negociar”. Dão alguns concertos importantes como o do Johnny Guitar. “O Zé Pedro desde cedo apadrinhou a banda. E também demos um grande concerto no Teatro da Comuna. Foi inesquecível, tocámos para imensa gente.” Na plateia, estava Miguel Cardona, membro fugaz mas fundamental dos primórdios dos Blasted Mechanism. “Foi aí que o Cardona ficou impressionado connosco. Ele tocava numa banda industrial numa sala de ensaio umas portas ao lado da nossa. Nos intervalos, começámos a conversar e ele acabou por vir tocar connosco. O primeiro instrumento foi um andaime de obra com umas merdas de metal. A garagem era muito pequenina, talvez coubesse um 127 lá dentro mas conseguimos pôr lá uma bateria e um andaime”.
O bambuleco de Valdjiu
Ensaiam directamente quatro horas. Na oficina dos Blasted, nada se perde, tudo se transforma. “Eu andava obcecado com a parede de distorção dos Pantera mas estava a chegar à conclusão que aquilo não era uma praia de fácil acesso. E nunca fui um guitar hero, nem músico de passar muitas horas a tocar. Achava a competição entre guitarristas muito pouco saudável. Por não ser virtuoso, sentia-me mal. Não foi muito consciente mas pensei em desenhar o meu instrumento. Pesquisar outras áreas mais experimentais. Fiquei completamente obcecado por pedais. Até andava a desenhar pedais. Cheguei a ir a Paris com um técnico para me desenhar um pedal especifíco”, conta. Valdjiu canalizou a frustração e indefinição para uma solução criativa inesperada: o bambuleco, híbrido de baixo e guitarra, construído pelo luthier já falecido Gil Oliveira.
“Uma vez entrei numa obra, encontrei um ferrinho e comecei a esculpir um instrumento. Fui bater à porta do Gil Oliveira, uma pessoa muito importante na minha vida, e ele pergunta-me: ‘mas o que é isto?!’ Era mesmo muito novo e ele foi muito paciente. Construiu o meu primeiro instrumento, o bambuleco, que sofreu muitas mutaçōes, e foi por causa do bambuleco que largei a parede de distorção”. Os Blasted não perdiam a virulência mas a agressividade era direccionada para o balanço e a fisicalidade. E o caos começava a organizar-se.
“Nessa altura, os Mr. Bungle já eram uma grande influência e acabámos por fazer uma peça de 45 minutos, que gravámos para a EMI. Eles nem responderam. A EMI pagou tudo: estúdio e produtor. Era uma peça que passava por muitos géneros: tecno, rumba, speed metal, música de elevador…algumas que nem sei catalogar. Tinha coisas incríveis. Ainda tenho essa maquete. É ela que nos leva a pessoal que o Cardona traz como os performers do Circo Underground de Lisboa, artistas plásticos como o [José] Muchacho e o Rui Zilhão, a minha companheira Rita Seixas e começámos a trazer algo mais para o palco”.
Ainda não eram os Mr. Bungle de California, aclamado em 1999 como o álbum-síntese da década, mas já eram os Blasted pós-afluentes de Seattle e do bafo a adolescente americano. “Acho que conseguimos desenvolver um estilo próprio que nem sei definir. Pertencíamos a uma geração de pessoas que queriam acima de tudo ser originais e recusarmos as cópias apesar de termos influências, muito mais evidentes no início. Quando passei o muro para o outro lado, fiquei obcecado com o ser original. Era o mais importante para mim, e ainda hoje me custa ver cópias”, reconhece Valdjiu.
Acho que conseguimos desenvolver um estilo próprio que nem sei definir. Pertencíamos a uma geração de pessoas que queriam acima de tudo ser originais e recusarmos as cópias apesar de termos influências, muito mais evidentes no início. Quando passei o muro para o outro lado, fiquei obcecado com o ser original, Valdjiu
A anarquia começa a inserir-se. A música a florescer. A imagem a projectar um som. Uma identidade a formar-se. E os convidados a expandir a ideia e o discurso em palco. De uma banda de adolescência, os Blasted evoluíam para um acontecimento por onde passavam. “Nos últimos concertos da fase metal, já vestíamos qualquer coisa uniforme. Tínhamos uns macacōes, pintávamos o cabelo com spray e o Cardona apreciava isso. Ele gostava muito de Red Hot e daquelas peças que eles levavam para o palco. Apresentou-nos ao Muchacho e começámos a ter umas peças para as costas. O Karkov tinha um dinossauro, eu tinha uma espécie de polvo na cabeça…começámos a levar isso para o palco e actores para fazerem o que quisessem. Uns cuspiam fogo, outros tocavam djembé…”, descreve.
Na Caixa Económica da Voz do Operário
“Demos concertos na Caixa Económica da Voz do Operário e na Galeria Zé dos Bois, e esses concertos foram incríveis. Levaram-nos a uma actuação histórica numa rave na Abrunheira de que muita gente ainda se lembra, e a uma noite histórica no Dramático de Cascais com os Flood e os Primitive Reason, onde tocámos a peça de 45 minutos com os actores e os performers.” Uma banda sem álbum a ousar uma peça conceptual a anteceder a Tragedia dos Flood e a impulsão de Seven Fingered Friend dos Primitive Reason. Podia ter corrido muito mal mas acabou em ovação. “Lembro-me perfeitamente de o Dramático estar cheio. Ninguém a reagir e nós a pensarmos: ‘isto está a correr mesmo mal’. Até que quando acabamos, recebemos uma salva de palmas de gigante. Ainda nem tínhamos baixista. Eu tocava baixo e guitarra ao mesmo tempo com o bambuleco”, traz de volta.
Para o primeiro single, avançam pelo próprio pé. Concertos transcendentes merecem um registo gravado. A dificuldade crónica de uma banda nova em transpor para o estúdio toda a extravagância e libertação é resolvida com um single partido em três: o funk-fanfarra de Swinging With The Monkeys, guiado pelo clarinete de Pardal até ao refrão infiltrado pelos Red Hot Chili Peppers fase-George Clinton, com matemática aplicada de Frank Zappa; o reggae atmosférico de Calamidad a crescer até à anarquia de jazz e metal da segunda secção; e a fechar, uma bomba atómica chamada Atom Bride Theme. Techno no núcleo, sons de baleia a sair do didjeridu e as notas clássicas de John Barry a chamar por James Bond. Atom Bride Theme é cinematográfica, sim senhor, mas o filme é outro.
“Precisava de um baixo e ofereci um ao meu pai no Natal. Ele não tocava, pedi à minha mãe para comprar…para mim indirectamente. Um dia juntamo-nos na [sala de ensaios], 127, o bambuleco parte uma corda e o Ali desmancha o instrumento todo para que o ensaio não pare. Nesse mesmo dia, tinha estado a ouvir o Misirlou do Pulp Fiction e começo a fazer aquela palhetada. Não nos interessava nem sabíamos fazer surf music. Começámos a fazer um beat de techno com o metal dos andaimes. Quando o Henrique mete o didjeridu por cima, aquilo fica surreal. Esse cromatismo de três notas do James Bond está lá. Eu adoro as notas do James Bond, mas há mais gente a usá-las. Por exemplo, no jazz. Reconheço essa influência mas foi mais à Pulp Fiction“, confessa.
“Foi o primeiro grande tema de Blasted, curiosamente instrumental”, admite. “Muita gente gostava do Swinging With Monkeys e associava a Frank Zappa, que nunca gostei de ouvir embora admire. [O Atom Bride Theme] é a única música que continuamos a tocar. Quando tocámos na rave da Abrunheira, foi incrível”. Como sempre acontece nos casos emergentes, os Blasted Mechanism respondiam pela sua individualidade mas também por realidades paralelas a brotar da terra. Atom Bride Theme, revelava então o Blitz, era parte da peça The Boomer’s Banquet com cerca de vinte minutos.
Nesse mesmo dia, tinha estado a ouvir o Misirlou do Pulp Fiction e começo a fazer aquela palhetada. Não nos interessava nem sabíamos fazer surf music. Começámos a fazer um beat de techno com o metal dos andaimes. Quando o Henrique mete o didjeridu por cima, aquilo fica surreal. Esse cromatismo de três notas do James Bond está lá. Eu adoro as notas do James Bond, mas há mais gente a usá-las. Por exemplo, no jazz. Reconheço essa influência mas foi mais à Pulp Fiction, Valdjiu sobre Atom Bride Theme
No caso da cultura rave - 1997 seria o ano do primeiro Boom, embora os Blasted só se tenham estreado em 2008 -, eram extraterrestres convidados. Sem discordar, Valdjiu tem outras explicaçōes para o estrondo causado. “Uma grande influência foi o meu primo Henrique Vieira, aka Salvatore, que tocava nos Boomerang com o Winga, o Nuno Patrício. Fui ver uma performance deles com lama, todos nus, e era uma coisa completamente fora. O meu primo era um desconstrutor. Ele trouxe muito essa influência. Isto numa banda em que o Cardona me acordava às 9 para fazer merdas, com uma capacidade criativa impressionante. Era um grande letrista, ajudou muito o Karkov. Eles complementavam-se muito bem. Depois, tínhamos o Henrique a desconstruir. Entretanto, entra o Pedro Afonso (Ary), vindo dos Flood, que se mantém até hoje. O Ary entra porque eu não conseguia tocar baixo e guitarra, e porque nos tínhamos conhecido no mesmo complexo de garagens, que eu descobri na tentativa de sair de casa dos meus pais. Ficava na Quinta do Marquês por baixo do restaurante chinês Macau, onde havia cerca de 200 garagens. A nossa garagem era a 127 e começou a passar palavra e às tantas havia mais de 100 bandas”.
Mais um degrau no rumo do profissionalismo, Swinging With The Monkeys tem direito a um vídeo com rotação em programas do canal público como o Spray de Henrique Amaro e o Alta Voltagem de Rui Unas. “Foi o nosso primeiro vídeo profissional. O Karkov fazia de nerd em casa da mãe (que por acaso, era da minha avó). Na altura, usávamos a expressão papalvo. Ele está em casa com a meinha e a barbinha. Entretanto, sai à rua na Avenida da Liberdade mas na cabeça dele está noutro sítio. Na vida real, era um deslocado mas na cabeça era um sonhador.
Em terra de ninguém, sim, os Blasted Mechanism não estavam sós. Catalisavam, relacionavam-se e agitavam o meio. Em pouco tempo, saltavam da indigência para a diferença. “Demos nas vistas. Fizemos o primeiro Sudoeste em 97. Foi histórico. Entretanto, começámos a aparecer muito nos jornais porque a nossa imagem era muito forte. Tocávamos com o Marilyn Manson mas a foto era a nossa. Isso ajudou muito a espalhar a banda. Se não fosse isso, não seríamos quem somos.“ Em 1997, o single de edição de autor evoluiu para o mini-álbum Balayhashi, completado pela companheira de viagem de Calamidad, Polaroid, e por Gators From Congo, da mesma família esquizofrénica dos Mr. Bungle. O EP traz o selo da já defunta Música Alternativa, sinal de que as veleidades dos Blasted Mechanism tinham direito a existir no meio.
No Blitz, uma tira sobre o single não perguntava o que achavam. “Os Blasted Mechanism não são normais!”, exclamava a primeira frase. E uma outra entrevista publicada no jornal, descrevia “uma tribo disposta a revestir de fantasia tudo o que toca”. “Pintamo-nos porquê? Porque a pele não vem com cores (…) As máscaras são prolongamento do corpo. Alegres e diferentes”, justificava Miguel Cardona.
No lado oposto da loucura, há desventuras como assaltos e desconforto cutâneo. “Lembro-me de os fatos terem sido roubados e antes de entrarmos no palco do Avante, com aquilo cheio, olho para trás, vejo o clarinetista Luís Bastos a entrar em palco com um balde com lama na cabeça. Inesquecível! Os fatos são uma relação amor-ódio, desde as hérnias nas costas ao cheiro, ao investimento feito por todos”, admite. Seriam os mesmos sem a segunda pele viscosa a sair pelos poros? A imagem dos Blasted Mechanism era tão potente e extraterrestre como o som. Impressionava tanto com binóculos como com óculos de leitura.
Em 1998, um primeiro tropeço na escada de acesso aos sextos sentidos. Miguel Cardona sai para formar os Coldfinger com Margarida Pinto. “Ele saiu quando fomos convidados para participar no Tejo Beat (colecção de nova música portuguesa idealizada por Henrique Amaro para a Expo 98 e produzida por Mário Caldato Jr. cúmplice dos Beastie Boys). Incompatibilizou-se. Não quero falar por ele mas a energia começou a mudar. Também começou a ouvir muita música electrónica mas não foi só isso. Algumas coisas talvez não lhe agradassem. Era um líder nato e tinha que dividir a liderança comigo”, lamenta Valdjiu. “O Cardona tinha muito power e uma visão muito interessante. Foi um dos grandes obreiros de Blasted no início. Tive muita pena que ele tivesse saído. Deixou-nos desorientados”.
No final dos anos 90, Blasted Mechanism, Coldfinger, Zen e Hipnótica eram a coroa de uma moeda pop que tinha nos Silence 4 e nos The Gift o rosto de uma circulação. Em todas elas, o lugar físico não era espiritual. Partiam de referências exteriores, não se relacionavam nem com o rock português, nem com a música moderna do Rock Rendez-Vous ou com os contemporâneos de finais dos 80 e início dos 90. Bandas como os Blasted vinham na marcha-a-ré. Faziam música em Portugal sem barreiras geográficas e na sede de inventarem uma história, olhavam para o espaço sideral antes de sentir a terra ardente.
O jazz terreno de Thick Tongue, de Tejo Beat, já indicava as coordenadas de Plasma (1999). O álbum de estreia dos Blasted Mechanism assenta alguma poeira. O que se perde em mundo bizarro, ganha-se em pontos cardeais, como a música cigana de Oh Landou, o jazz neo-clássico à Cinematic Orchestra de Zapping, o klezmer de Karkow e os blues de 18 Strings. O centro de gravidade no jazz e a acção dramática nas cordas vocais de Karkov.
“Andávamos a ouvir cenas mais jazzy. Quando conheci o João Lencastre [baterista do álbum], fiquei muito impressionado com a técnica dele. O Plasma ainda hoje é um dos álbuns favoritos de muita gente por isso mesmo. Tem lá o klezmer do Karkov, tem lá o Nazka, toca em muita coisa diferente. Quisemos ser uma banda de drum’n’bass acústico”, resume. Os Blasted Mechanism paranormais tinham descido por momentos à Terra antes de descolar de novo.
O single Blasted Mechanism foi uma edição de autor em 1996. No ano seguinte, Balayashi encapsulou Swinging The Monkeys, Calamidad e Atom Bride Theme num mini-álbum com Polaroid e Gators From Congo. O primeiro longa-duração Plasma chegou em 1999. Em 2024, os Blasted Mechanism celebram 30 anos de carreira